A menos de dez quilómetros da cidade de Viseu, na pequena aldeia de Passos de Silgueiros, há quatro anos que uma biblioteca especializada em etnografia vai crescendo, ultrapassando já 3.000 livros, que lhe permitem “competir com as bibliotecas oficiais”.
Com cerca de mil habitantes, Passos de Silgueiros é uma das 16 aldeias da freguesia de Silgueiros, no concelho de Viseu, e «a única do país com uma Biblioteca Etnográfica».
António Lopes Pires, presidente da Associação de Passos de Silgueiros (ASSOPS) e responsável pela biblioteca, disse à Agência Lusa não conhecer «mais nenhuma em Portugal que se tenha especializado em etnografia, uma área com pouca coisa e sobre a qual há escassas preocupações». Inicialmente, ainda pensou “numa biblioteca generalista”, mas rapidamente concluiu que «quem quer ler ‘A Morgadinha dos Canaviais’ não vem, de Viseu ou outro ponto do país, até Silgueiros». «A única forma de competir com as bibliotecas oficiais é ter o que as outras não têm, ou seja, apostar numa biblioteca especializada e bem apetrechada», salientou.
A aposta recaiu na etnografia e ao longo de quatro anos a colecção de volumes foi aumentando. «Recolhemos alguns livros, fomos solicitando outros a editoras. Algumas ofereceram obras, outras venderam-nas a preços de revenda», explicou. De acordo com António Lopes Pires, Silgueiros tem a que pensa ser «a melhor biblioteca da especialidade no país». Sem falsas modéstias, o antigo inspector do Ministério da Educação destaca a forma como está organizada, que «propicia aos interessados uma rápida procura».
A biblioteca possui actualmente 3.291 volumes da área da etnografia, além de ter a particularidade de desenvolver em paralelo um trabalho de recolha de material publicado na imprensa sobre a especialidade. «Fomos fazendo buscas em revistas e jornais antigos e todos os artigos que encontrámos relacionados com etnografia foram arquivados em dossiers temáticos», disse.
Um trabalho de recortes de imprensa »que se mantém, diariamente. Fotocopiamos ou recortamos tudo o que se publica sobre etnografia. Guardamos também pastas pessoais, de alguns escritores que se revelaram importantes na área da etnografia», acrescentou. Actualmente possuem 72 dossiers temáticos e uma colecção com cerca de 20 mil fotografias. Sedeada no imponente edifício da ASSOPS - um prédio que facilmente se destaca na aldeia - esta biblioteca especializada em etnografia conta também «com uma grande recolha de todo um património imaterial».
Juntaram contos, lendas, adivinhas, rezas, orações, poesia popular e medicina tradicional. «Fomos recolhendo tudo o que ajudasse a traçar toda uma época. Em muitos casos, este legado está guardado em gravações, que vamos tentando passar para o papel», sublinhou. Este é, aliás, um tipo de recolha que «cada vez se faz menos, pois em 2007 é muito mais difícil encontrar uma fonte viva que diga com clareza como é que se cantava e dançava aos domingos e dias santos, no largo da igreja da aldeia».
«Os idosos estão a ir embora e cada vez que isso acontece é um livro que se fecha», lamentou. Mas, se a etnografia - ciência que estuda os povos, suas origens, línguas, religiões e costumes - não interessa a todos, muitas vezes é batendo à porta desta biblioteca que se recuperam algumas tradições.
António Lopes Pires contou que, há uns dias, um amigo de Tomar «quis saber se os aventais das mulheres do princípio do século XX tinham um ou dois bolsos. Um assunto que facilmente resolvemos com a consulta de livros ou fotografias de jornais antigos», explicou. Este é um dos muitos exemplos que «faz com que sintamos a necessidade de nos equiparmos com uma boa biblioteca nesta área».
Uma biblioteca que foi crescendo em paralelo com o Rancho Folclórico de Passos de Silgueiros e o Museu Etnográfico de Silgueiros, que conta já com alguns milhares de peças. A colecção do traje «é a melhor», destacando-se entre os objectos expostos um monóculo que pertenceu ao general Spínola e um binóculo do Rei D. Carlos. A biblioteca etnográfica está também a ajudar a «catalogar parte de uma colecção de 72 mil botões», área sobre a qual, mesmo com toda a informação já reunida, ainda se »sabe muito pouco», disse António Lopes Pires.
A aldeia de Passos de Silgueiros, no concelho de Viseu, tornou-se nos últimos anos «um pólo de cultura interessante», graças ao Rancho, Museu e Biblioteca etnográficos que atraem pessoas de todo o país, segundo escreve o Noticias de Viseu. É um trabalho «de quase três décadas”, onde se destaca o Museu Etnográfico de Silgueiros, que inclui largos milhares de peças. «A melhor colecção de todas é a do traje», explica António Lopes Pires, presidente da Associação de Passos de Silgueiros. A próxima acção será a criação de «um núcleo museológico relacionado com a escola”. Trata-se de um projecto futuro e para isso «a autarquia de Viseu já entregou um edifício escolar desactivado». A antiga escola primária, com apenas uma sala, vai ser «um sector do Museu Etnográfico de Silgueiros, onde colocaremos peças relacionadas com a escola».
Maria Cristina Marques
Fonte: O Primeiro de Janeiro /Lusa - 25-03-007Etiquetas: Bibliotecas e Cultura/Sociedade Local e Regional, Bibliotecas Especializadas, Livros e Leitura |